Publicado
no informativo nº 903 do STF.
A
Primeira Turma condenou deputado federal à pena de 2 anos e 9 meses de
reclusão, no regime inicial semiaberto, convertido em prisão domiciliar (AP
863), pela prática do crime de falsidade ideológica para fins eleitorais,
previsto no art. 350 (1), do Código Eleitoral, e multa, no montante de 20
dias-multa, ao valor de 1 salário mínimo cada, vedada a substituição por
restritiva de direito por ostentar maus antecedentes [CP; art. 44, III(2)]. O
Colegiado determinou, ainda, que a decisão seja comunicada à Mesa da Câmara dos
Deputados para que declare a perda do mandato eletivo do condenado em razão da
impossibilidade de comparecer às sessões [CF; art. 55 (3), III, § 3º]
No
caso, o parlamentar omitiu, na prestação de contas apresentada à Justiça
Eleitoral, recursos utilizados em sua campanha para deputado federal no ano de
2010. Os valores são relacionados a despesas que foram pagas por pessoa
jurídica, da qual é sócio, à empresa de comunicação visual para a confecção de
material de sua campanha.
Inicialmente,
foi assentada, por maioria, a competência da Turma para o julgamento da ação
penal, pois, em conformidade com entendimento firmado pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) na AP 937, após os autos ficarem conclusos para julgamento de
mérito, a competência para processar e julgar ações penais não será mais
afetada. Vencido o ministro Marco Aurélio, que considerou que a conduta
delitiva do réu não teve relação com o exercício do mandato parlamentar.
Em
sede preliminar, a Turma rejeitou a nulidade apontada pela defesa referente à
inversão da ordem de apresentação das alegações finais, tendo em vista que não
houve prejuízo à defesa. Afastou, também, a alegação da necessidade de
oferecimento da suspensão condicional do processo [Lei 9.099/1995; art. 89 (4)]
aos réus, por conta de suposta inconstitucionalidade parcial da expressão
“desde que o acusado não esteja sendo processado (...)”. Reputou que
jurisprudência é pacífica no sentido de que o “sursis” processual, previsto no
art. 89 da Lei 9.099/1995, não constitui direito subjetivo do acusado. Esse
entendimento deriva da conclusão de que a norma — que estabelece requisitos
para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo, entre eles
o de não responder o acusado por outros delitos — é constitucional.
No
mérito, a Turma considerou demostrada a materialidade delitiva. O delito de
falsidade ideológica é crime formal. Não exige, portanto, o recolhimento do
material não declarado. Basta que as notas fiscais sejam relacionadas à
campanha eleitoral do acusado. No caso, as notas foram enviadas à Justiça
Eleitoral em resposta a procedimento de circularização prévia, destinado a
verificar a validade das informações prestadas pelos candidatos em suas
prestações de contas, sendo elas as únicas que a empresa fabricante de adesivos
enviou à Justiça Eleitoral. Tais notas revelam padrão absolutamente diverso das
demais notas apresentadas para alegar costumeira relação entre a empresa
fabricante dos adesivos e a companhia na qual o deputado é sócio. A grande
concentração de pedidos nos dois meses antecedentes às eleições de 2010 e a
elevação exponencial dos valores verificados nas notas fiscais revelam a
vinculação entre as notas fiscais emitidas e a campanha do parlamentar, mesmo
que depoimento testemunhal, concebido como sem credibilidade, não confirme essa
relação.
A
autoria delitiva também foi demonstrada. A ausência de assinatura do candidato,
ou a assinatura “por procuração” pelo tesoureiro da campanha, não constitui
elemento suficiente para afastar sua participação na inserção ou omissão dos
dados que devem constar da prestação de contas, tampouco revela desconhecimento
do candidato quanto às informações nela contidas. Além do mais, a quantia não
declarada pelo réu corresponde a 21% dos gastos de sua campanha, montante com
expressividade que não permite a alegação de desconhecimento pelo candidato.
Tudo isso permite apontar o conhecimento e o dolo do deputado ao praticar a
omissão.
(1)
Código Eleitoral: “Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração
que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou
diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até
cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e
reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é
particular. Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário
público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou
alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.”
(2)
CP: “Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as
privativas de liberdade, quando: III – a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.”
(3)
CF: “Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: [...] III - que deixar
de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias
da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; [...] §
3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa
da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus
membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada
ampla defesa.”
(4)
Lei 9.099/1995: “Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou
inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao
oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro
anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido
condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a
suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).”
DESTAQUE:
Candidato que omite, na
prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral, recursos utilizados em sua
campanha eleitoral, pratica o crime do art. 350 do Código Eleitoral (STF. 1ª
Turma. AP 968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22/5/2018).