O ministro
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz deferiu nesta
quinta-feira (12) o pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul para
suspender o julgamento de um dos acusados pelas mortes no incêndio da Boate
Kiss, ocorrido em 2013. A sessão do tribunal do júri estava marcada para a
próxima segunda-feira (16), na cidade de Santa Maria (RS), local da tragédia.
A suspensão é válida até o julgamento, pelo Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), do pedido de desaforamento feito pelo
MP gaúcho em relação ao único dos quatro réus do caso que ainda estava com o
julgamento previsto para Santa Maria.
Os outros três conseguiram decisões favoráveis do
TJRS para transferir os respectivos julgamentos para a comarca de Porto Alegre,
alegando o risco de parcialidade caso fossem submetidos ao júri na mesma cidade
onde houve o incêndio. O MP recorreu ao STJ contra a transferência e chegou a
pedir ao ministro Schietti, na semana passada, que suspendesse as decisões do
TJRS para assegurar que todos fossem julgados juntos em Santa Maria – pedido negado pelo
ministro na sexta-feira.
Diante da impossibilidade de reunir todos os réus em
um mesmo júri em Santa Maria, o MP resolveu pedir ao TJRS que também o último
acusado tivesse seu julgamento transferido para Porto Alegre, e ainda requereu
liminar para suspender a sessão de segunda-feira. O desembargador relator
negou a liminar, mas o pedido principal – o desaforamento – ainda não foi
julgado.
Unicidade
Na petição dirigida ao STJ, o MP insistiu em que o
julgamento em Santa Maria seria imparcial, mas, tendo sido deferido o
desaforamento para três dos réus, pediu que o mesmo entendimento do tribunal
estadual acerca de possível parcialidade dos jurados fosse estendido ao quarto
deles, mantendo-se assim a regra de unicidade do julgamento prevista no Código
de Processo Penal.
O MP ressaltou também que, embora o quarto réu tenha
manifestado que prefere ser julgado em Santa Maria, a transferência atende ao
interesse da instituição, pois evitaria uma futura alegação de nulidade baseada
no clima de comoção social na cidade e em seus reflexos sobre os jurados
locais.
O ministro Rogerio Schietti, diante da evolução do
caso, decidiu atender à nova petição do Ministério Público.
Plausibilidade
"Em um juízo de cognição sumária, inerente a
essa fase processual, constato que razão assiste ao Ministério Público no que
se refere às reiteradas manifestações da corte estadual, que, por decisão da
maioria da Primeira Câmara Criminal, entendeu que paira dúvida em relação à
imparcialidade dos jurados da comarca de Santa Maria" – justificou o
ministro ao deferir o pedido de suspensão do julgamento de segunda-feira.
Schietti entendeu que não faria sentido dar
prevalência a uma decisão isolada e vencida de um desembargador, quando o
colegiado já decidiu em sentido contrário em relação aos demais acusados.
O ministro disse que não procede o argumento de que o
MP não teria interesse processual para pedir o desaforamento contra a vontade
do réu, já que, além de órgão de acusação, incumbe à instituição a defesa dos
interesses individuais indisponíveis – entre eles o direito de ser julgado por
um júri imparcial.
Apesar da preferência do réu, Schietti lembrou que o
direito em questão é indisponível, "e o Ministério Público, na sua função
constitucional de custos legis, possui a
obrigação de zelar por tal direito".
Sobre o caso
Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, em decorrência
de incêndio no interior da casa noturna, 242 pessoas morreram e outras 636
foram de alguma forma vitimadas. O fogo começou durante a apresentação de uma
banda e foi causado por um artefato pirotécnico usado pelo vocalista. As chamas
se alastraram rapidamente, devido ao material inflamável usado no revestimento
da boate, produzindo uma fumaça tóxica que tomou o ambiente.
Em julho de 2016, o juiz da 1ª Vara Criminal de Santa Maria
pronunciou o vocalista, um funcionário da banda e dois sócios da boate pelos
242 homicídios duplamente qualificados e pela tentativa de, no mínimo, 636
homicídios duplamente qualificados.
Leia a decisão.