Sabe-se que o
conhecimento do remédio heroico em situações como a presente encontra enorme
resistência nos Tribunais Brasil afora, tendo em vista a, embora respeitável,
juridicamente equivocada jurisprudência defensiva acerca do cabimento do writ.
Fixou-se o entendimento
de que, em regra, não compete ao Tribunal conhecer de habeas corpus interposto
contra decisão do Juiz da Execução em razão da existência de recurso adequado
(agravo em execução). Contudo, diz-se em regra porque fora fixada exceções (flagrante
ilegalidade, p.ex.). E é justamente sobre esse ponto que a abordagem se debruça.
Há de se registrar, de
imediato, que o Habeas Corpus é plenamente justificável na hipótese sob análise
por pelo menos 2 (dois) motivos: 1) o texto maior é expresso ao dizer que
“conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder”. O termo em destaque não fora utilizado por acaso; 2) A situação do
paciente não raro se enquadra na exceção reconhecida pela própria jurisprudência
dos tribunais superiores para a concessão de HC substitutivo, qual seja: a flagrante
ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente.
O que se vê, à luz do
texto expresso da Constituição e Lei de Execução Penal, é que, não obstante
possa haver previsão do cabimento de recurso específico (art. 197 da Lei nº
7.210/1984), a garantia de impetração do Habeas Corpus não pode ser suprimida
sob alegação de existência de recurso adequado. O writ é ação autônoma
de impugnação célere para evitar que a coação ilegal perdure por tempo
demasiado, sendo que o texto maior não o limita (vide termo sempre), mas
sim o complementa. De mais a mais, por este mesmo motivo é que não se pode
falar em unirrecorribilidade, dado que o habeas corpus não é recurso, mas sim
ação autônoma de impugnação.
Diversamente do que
alguns setores sustentam, não há manejo exacerbado do Habeas Corpus. O que
existe, na verdade, é o excesso de decisões sem fundamentação e baseadas no
senso moral do julgador.
Enganam-se aqueles que
pensam que o uso do remédio heroico substitutivo não possui previsão legal ou
enfraquece a Constituição. Ora, o texto maior expressamente prevê que se
concederá habeas corpus sempre que alguém sofrer coação ilegal. O fato de
existir previsão específica de recurso de agravo em execução não retira o
cabimento de Habeas Corpus, afinal os mecanismos de tutela dos direitos e
garantias fundamentais devem ser complementares e não excludentes. Essa
grande invenção para negar conhecimento ao writ só serve a um propósito:
legitimar decisões arbitrárias sem fundamentação concreta.
A
crescente jurisprudência defensiva ignora as raízes históricas do instituto, o
qual é despido de formalismos, afinal se está a lidar com a liberdade de um
semelhante. Sim, um semelhante, porque muitos que se encontram encarcerados não
diferem do restante da sociedade. Cada qual com suas angústias e aflições,
acertos e erros, e devem responder por isso na medida imposta pela lei, não
pelo senso moral de quem quer que seja.
Ademais,
cabe indagar: que recurso adequado é esse que não pode ser julgado a tempo de
analisar a (i)legalidade da prisão de um ser humano? É corriqueiro que o agravo
demore meses para ser julgado, de modo que, ainda que provido o recurso, o
reeducando já tenha sofrido indevidamente restrição da liberdade.
Chega de eufemismo. Que
as coisas tenham o nome devido: aberração, teratologia, vício de poder, gozo
pelo sofrimento alheio, entre outros termos. O remédio heroico foi criado para
ser conhecido até em folha de papel higiênico. As vaidades que queimem na
fogueira, porque o processo penal é lugar para tratar de algo sério: o status
libertatis de um ser humano.
Portanto, torna-se
recomendável a interposição do recurso no prazo legal e a concomitante
impetração do habeas corpus, para que, caso não conhecido o writ,
esteja assegurada a apreciação da matéria pelo tribunal ad quem.