O JUIZ DAS GARANTIAS E A IMPARCIALIDADE JUDICIAL


O advento da Lei nº 13.964/2019 provocou enorme discussão no cenário jurídico brasileiro. Até o momento, pelo menos quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade questionam, principalmente, o instituto do Juiz das Garantias.
A eficácia dos dispositivos que introduziram o instituto encontra-se suspensa por força de decisão monocrática do Min. Luiz Fux, que deferiu cautelar nas ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 ao argumento de que, em juízo perfunctório, pode-se verificar possível ofensa ao art. 96 da Constituição Federal (inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa), dada a natureza jurídica, na visão dele, híbrida da norma (processual, mas também de organização judiciária). A matéria está pendente de análise pelo plenário.
Mas afinal, o que é o Juiz das Garantias? Trata-se de uma atribuição funcional de competência que diferencia o juiz atuante na fase pré-processual (investigação preliminar) do que irá atuar na fase processual (após o recebimento da denúncia), ou seja, a prevenção passa a ser critério de exclusão de competência e não mais de fixação. Cuida-se, dessa forma, de órgão controlador da legalidade na investigação preliminar, conforme disposto no CPP:
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente.
O mecanismo visa atender reclamo antigo da doutrina, a qual aponta para o fato de que ao receber a denúncia o magistrado já terá tomado contato com farto material que atende, unilateralmente, os interesses da acusação, de modo que na grande maioria dos casos a imparcialidade do julgador estará comprometida (p. ex. busca pessoal e domiciliar, quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico, interceptação telefônica, indisponibilidade de bens, prisão temporária e preventiva, até o recebimento da denúncia).
Trata-se de experiência existente em diversos outros países, tais como Chile, Argentina, Alemanha, Portugal, razão pela qual afasta-se de plano argumentos sensacionalistas que sustentam ser a novel legislação uma forma de retaliação à pauta anticorrupção.  
A bem da verdade, verifica-se que na atual estrutura o juiz adentra na fase processual tomado por pré-juízos construídos ao longo da investigação preliminar, tal como frequentemente se dá na decretação das medidas cautelares (principalmente prisão preventiva), as quais têm sido confundidas com a própria sentença de mérito. Logo, do quê adiantará a sequência de atos posteriores na tentativa de obter a captura psíquica do julgador se este já estiver comprometido com a hipótese acusatória? Tudo o que vier a contrariar a opção feita será prontamente rechaçado, ainda que veladamente (encenação processual – sentença pronta antes da audiência de instrução).
Portanto, não se trata da criação de um novo tipo de juiz, mas de uma causa de impedimento[1] ao atuante na fase investigatória, que almeja preservar o princípio supremo do processo penal: a imparcialidade. Juiz prevento é juiz contaminado, por isso não serve para julgar o mérito do caso penal.  


[1] Art. 3º-D do CPP. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo