A ATUAÇÃO DO ADVOGADO CRIMINALISTA NA FASE DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR


Muito embora parcela considerável da comunidade jurídica associe a ideia de investigação preliminar ao inquérito policial, não se pode esquecer da possibilidade de que essa fase ocorra a partir do procedimento investigatório criminal (PIC) conduzido pelo Ministério Público, bem como que, em determinados casos, embora na prática não se demonstre comum, a pretensão acusatória seja exercida sem a instauração de IP ou PIC, isto é, se com a representação (ou notitia criminis) obtenha-se elementos de informação suficientes acerca da autoria e materialidade delitiva.
O objetivo da investigação preliminar é a obtenção de elementos de informação razoáveis para se superar o mero juízo de possibilidade, de modo a oferecer denúncia minimamente provável (juízo de probabilidade). Confira-se as sempre relevantes lições de Aury Lopes Jr.:


O recebimento da acusação significa um grande passo no sentido da diminuição do status libertatis do sujeito passivo e para isso devem existir suficientes elementos e a devida fundamentação judicial que permita o controle da racionalidade. O juízo de pré-admissibilidade da acusação – assim chamado em contraste com o juízo definitivo de admissibilidade que será realizado na sentença – é o momento em que o juiz deve decidir sobre a abertura ou não do processo, considerando, ainda, que o processo penal é uma pena em si, que possui um elevado custo para o sujeito passivo e que gera uma grave estigmatização social e jurídica do sujeito passivo.
Outro aspecto importante é que não existe fundamento jurídico para o chamado in dubio pro societate e a única presunção admitida no processo penal é a de inocência. (...)
Logo, incumbe ao MP o ônus total e intransferível de demonstrar a provável existência do fumus comissi delicti afirmado.
A investigação preliminar – inquérito policial – está destinada a conhecer o fato em grau suficiente para afirmar a existência e a autoria do crime, isto é, a probabilidade da materialidade e da autoria. Se não atingir esse nível – ficando na mera possibilidade – justificará o pedido de arquivamento (não processo) e, como consequência, não deverá ser exercida a ação penal. Se exercida, não deverá ser admitida. (LOPES JR., Aury. Investigação Preliminar no Processo Penal, 6ª ed., 2014, Saraiva. p. 269-270)
Por paradoxal que se possa parecer, o primeiro direito que tem todo cidadão é o de ser bem acusado, isto é, situar-se diante de uma acusação precisa, concisa, que delimite de plano a pretensão acusatória, em relação a qual o indivíduo exercerá a defesa. É costumeiro, mas inaceitável, a prática do Ministério Público: sustenta sempre abstratamente para evitar o erro, amplia-se demasiadamente a acusação quando bem entender, como se fosse dever do cidadão se defender de tudo, sem saber do quê é – ao certo – acusado.
Nessa fase pré-processual, não é raro que o advogado encontre algumas dificuldades práticas para o exercício do direito de defesa. O melhor exemplo talvez seja o acesso aos autos da investigação (inquérito ou PIC), principalmente em casos que causem algum desconforto pessoal ao agente do Estado que esteja de posse do material.
Analisando-se do ponto de vista técnico e também prático, o que fazer em caso de cerceamento (negativa ou criação de empecilhos)? Certamente, a cortesia é o melhor caminho, mas não ao ponto de ser “passado para trás”. Lembro-me sempre das palavras do colega Mário de Oliveira Filho: “advogado criminalista bonzinho demais não serve para nada”. Exerça suas prerrogativas com elegância, como deve ser, mas não deixe em nenhum momento de exercê-las por receio de perseguições ou desagrados. Por vezes, haverá alguns dissabores, próprios daqueles que confundem a atuação do advogado criminalista com a prática delitiva investigada. Portanto:
1)  Ao se encaminhar para a repartição adequada, apresente-se com cortesia e se identifique funcionalmente;
2) Requeira verbalmente o acesso aos autos almejados, considerando que inexiste forma pré-determinada ou entraves burocráticos (formulário com justificativa, p.ex.). Obs: caso se trate de autos em segredo, junte a procuração;
3)   Em caso de negativa ou demora demasiada, e ainda sim insistam em não lhe conceder vista, peticione no órgão responsável com fundamento no art. 5º, inc. XXXIV, alínea “a”, CF c/c Súmula Vinculante nº 14 e Lei 8.906/94 (EAOAB), para que tenha comprovante do requerimento;
4)  Se ainda sim o acesso não for concedido, tem-se a possibilidade de: a) impetrar mandado de segurança para garantir o direito líquido e certo do próprio advogado à prerrogativa profissional; b) impetrar habeas corpus em favor do investigado, considerando o cerceamento de defesa; c) reclamação constitucional ao STF, com fundamento no descumprimento da Súmula Vinculante nº 14;
A nosso ver, não há uma ordem de preferência em relação aos instrumentos citados, porque tudo dependerá da situação concreta e o que realmente se almeja no âmbito prático: o acesso aos autos. Portanto, a ideia não é criar o embate, mas exercer a prerrogativa que lhe confere a lei por uma questão de necessidade. O advogado não está ali a passeio. O requerimento é feito, porque o acesso é necessário e a urgência, quase sempre, imediata (investigado preso, p.ex.), não sendo preciso que justifique o motivo.
Outra questão importante no tocante à esta etapa diz respeito ao acompanhamento do interrogatório do investigado e oitiva de testemunhas. A Lei nº 13.245/2016 acrescentou o inciso XXI ao artigo 7º da Lei 8.906/94 para prever como prerrogativa do advogado:
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
b) (VETADO).   
Verifica-se, portanto, que impedir o advogado de prestar assistência técnica ao investigado durante a apuração, inclusive apresentando razões e quesitos, seja no interrogatório ou na oitiva de testemunhas, ocasionará a nulidade absoluta do ato e do que dele decorrer.
A alínea “b” previa a possibilidade de “requisitar diligências”, tendo sido vetada porque requisição relaciona-se à obrigatoriedade no atendimento. Em que pese o veto, entende-se que o advogado pode requerer diligências, as quais serão realizadas a critério da autoridade responsável. O prejuízo advindo da negativa poderá ser analisado caso a caso.
A partir dessas breves considerações acerca da importância do advogado criminalista na investigação preliminar, até  mesmo realizando investigação defensiva (Provimento nº 188 de 2018 da OAB), pretende-se demonstrar que uma atuação estratégica poderá resultar em um não processo, isto é, no arquivamento do inquérito ou PIC, na rejeição da denúncia ou absolvição sumária.