Publicado no Informativo 968 do STF.
A Segunda Turma, por maioria e em conclusão de julgamento, negou provimento a dois agravos regimentais interpostos de decisão que, em juízo de retratação, proveu recurso extraordinário com agravo, para afastar declaração, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de inelegibilidade de candidato, porquanto não mais subsistiria a premissa estruturante de rejeição das contas deste pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A Segunda Turma, por maioria e em conclusão de julgamento, negou provimento a dois agravos regimentais interpostos de decisão que, em juízo de retratação, proveu recurso extraordinário com agravo, para afastar declaração, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de inelegibilidade de candidato, porquanto não mais subsistiria a premissa estruturante de rejeição das contas deste pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Os
agravantes sustentavam, em síntese, que o ato agravado não poderia ter
restabelecido a elegibilidade, pois, segundo a jurisprudência do TSE, a data de
diplomação seria o termo final para se conhecer de fato superveniente ao
registro da candidatura que afaste inelegibilidade. Anotavam, ainda, que o
acórdão do TCU reconhecido como fato superveniente foi proferido em recurso de
revisão julgado em 11.9.2019.
Prevaleceu
o voto do ministro Gilmar Mendes (relator).
De
início, registrou a oscilação do posicionamento do TSE sobre a aludida matéria
ao longo dos anos. Com a ressalva de que o entendimento jurisprudencial não é
absolutamente pacífico, avaliou que, no caso concreto, a inconstitucionalidade
da decisão do TSE, na realidade, parece dar-se não em razão da limitação
temporal da ocorrência do fato superveniente, mas da própria aplicação
extensiva da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar (LC) 64/1990
(1).
Assinalou
estar previsto, claramente, no dispositivo legal, que a rejeição de contas
relativas ao exercício de cargos ou funções públicas pelo candidato só atrai a
inelegibilidade se da rejeição se configurar ato doloso de improbidade
administrativa. Depreendeu da análise detida dos autos que, entretanto, essa
caracterização não se faz presente na espécie.
A seu
ver, o TSE realizou interpretação extensiva da cláusula de inelegibilidade para
pressupor que a simples afronta à Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) implicaria
a caracterização do ato doloso de improbidade, o que se revela em desacordo com
o texto constitucional e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(STF).
Isso
porque, ao se manifestar acerca do § 4º do art. 37 da Constituição Federal (CF)
(2), o STF procedeu à devida distinção entre ato meramente ilegal e ato
ímprobo, exigindo para este uma qualificação especial: lesar o erário ou,
ainda, promover enriquecimento ilícito ou favorecimento contra legem de
terceiro. Nessa linha, estaria o que firmado no RE 976.566 (Tema 576 da repercussão geral).
Logo,
o ato de improbidade administrativa não pode ser presumido pelo simples
descumprimento da Lei de Licitações. Deve ser comprovado o especial fim de agir
do agente público a depender do tipo enquadrado.
Segundo
o ministro, parece ter havido presunção de que, ocorrida a ilegalidade na
contratação pública, o ato de improbidade administrativo doloso seria daí
decorrente, sem se ater a elementos factuais, a partir de mera construção
exegética destituída de dados empíricos.
Não se
coaduna com a jurisprudência do STF e o posicionamento do Superior Tribunal de
Justiça a conclusão de que a ausência ou dispensa indevida de licitação é
considerada irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade
administrativa, sendo conduta apta a atrair a inelegibilidade previstas no art.
1º, I, g, da LC 64/1990.
O
relator ressaltou que o fato de a ausência de licitação para a contratação de
serviços de telefonia haver sido objeto de ressalva pela Controladoria Geral da
União, desde 2009, não configura argumento suficiente para amparar que se trata
de ato de improbidade administrativa doloso.
Reiterou
que não se deve confundir ilegalidade ou incompetência com ato de improbidade
administrativa. Ausente o reconhecimento de dano e a clara existência de dolo,
não subsiste a conclusão extraída pelo TSE.
Ademais,
o TCU, em sede de recurso de revisão, aprovou, com ressalva, as contas do
recorrente e afastou as multas a ele impostas. Embora a decisão superveniente
reforce a inadequação da interpretação dada pelo TSE ao caso, a bem da verdade,
antes mesmo disso, já era incontroverso que a posição inicial do TCU não
firmava a ocorrência de ato doloso ou de dano ao erário apto a amparar a
incidência da aludida alínea. A decisão do TRE e a do TSE reconheceram essa
circunstância, daí não há que se falar em necessidade de revolvimento
fático-probatório.
Em
arremate, consignou que a decisão do TSE é originariamente acoimada de
inconstitucionalidade, não havendo que se falar também em limitação para
ocorrência de fato superveniente.
Vencido o ministro Edson Fachin, que proveu o agravo para negar seguimento ao recurso extraordinário, em face de não ser cabível o recurso para simples reexame de prova e da impossibilidade de, na sede eleita, rever interpretação de legislação infraconstitucional e seus requisitos. Verificou não ser possível manter o ato agravado até porque não caracterizadas as ofensas constitucionais indicadas no recurso extraordinário. O provimento de recurso extraordinário depende do reconhecimento, em primeiro lugar, de repercussão geral da questão constitucional trazida, o que não ocorreu; ou, como segunda opção, da existência de jurisprudência dominante em casos análogos, o que não parece ser a hipótese dos autos, até por suas peculiaridades intrínsecas.
Vencido o ministro Edson Fachin, que proveu o agravo para negar seguimento ao recurso extraordinário, em face de não ser cabível o recurso para simples reexame de prova e da impossibilidade de, na sede eleita, rever interpretação de legislação infraconstitucional e seus requisitos. Verificou não ser possível manter o ato agravado até porque não caracterizadas as ofensas constitucionais indicadas no recurso extraordinário. O provimento de recurso extraordinário depende do reconhecimento, em primeiro lugar, de repercussão geral da questão constitucional trazida, o que não ocorreu; ou, como segunda opção, da existência de jurisprudência dominante em casos análogos, o que não parece ser a hipótese dos autos, até por suas peculiaridades intrínsecas.
Noutro
ponto, explicitou que o TCU julgou irregular as contas. O pronunciamento que se
deu, em processo de revisão, foi proferido mais de dez meses após a decisão do
TSE e mais de oito meses depois da diplomação dos candidatos eleitos. Sublinhou
que a jurisprudência do TSE é no sentido de que a data da diplomação é o termo
final para se considerar e conhecer qualquer alteração fática ou jurídica superveniente
que se refira aos requisitos para o registro da candidatura. Igualmente, que
cabe à Justiça Eleitoral proceder ao enquadramento das irregularidades como
insanáveis, ou não, e verificar se constituem, ou não, ato doloso de
improbidade administrativa.
[1] LC 64/1990: “Art. 1º São
inelegíveis: I – para qualquer cargo: (...) g) os que tiverem suas contas
relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por
irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade
administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta
houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se
realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão,
aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a
todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido
nessa condição;”
[2] CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
[2] CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”